Bikepacking é um estilo de viagem de bicicleta que está cada vez mais na moda. Resumindo, trata-se de distribuir sua bagagem, amarrando ou prendendo, ao longo da bicicleta e cair na estrada.
A decisão
Já fazia algum tempo que eu queria fazer uma viagem desse tipo, mas estava faltando coragem. A situação de pandemia e as longas distâncias até os possíveis locais de camping, me deixaram estacionado. Até que descobri um local interessante a apenas 45km da minha cidade. O lugar fica à beira do Rio Grande e é destinado exclusivamente para acampamento ou dayoff, para primeiro bikepacking, achei ideal que tivesse uma estrutura mínima: banheiro, água encanada e eletricidade.
A preparação
Já estava mais ou menos preparado, pois ano passado havia feito o Caminho da Fé de bicicleta, e adquiri bagageiro e alforjes para carregar a tralha. A diferença de agora foi conseguir levar bagagem extra, que incluía barraca com isolante e saco de dormir, além de utensílios de cozinha e comida. Nesta época do ano, chove muito aqui na região, o que também foi uma preocupação, pois meus alforjes não são impermeáveis.
Para carregar a barraca, eu fiz um saco de lona que amarrei no guidão e, para resolver a questão da chuva, fiz sacos estanques usando a embalagem de ração que ganhei de um pet shop vizinho. Não esperava que a bicicleta, uma Caloi Aluminum dos anos 90, fosse ficar tão pesada. Tudo ficou em aproximadamente 25kg.
Antes de pegar a estrada fiz um teste com a bicicleta carregada numa trilha circular próxima, de mesma distância da viagem: 45km. Fiquei muito cansado e quase desanimei, porém a bicicleta chegou inteira e a bagagem também.
A companhia
Convidei cerca de 6 amigos para me acompanhar no acampamento, sendo dois deles ciclistas com níveis distintos de preparo físico. Os outros iriam de carro para nos encontrarmos lá. Na véspera, devido à ameaça de chuva, o preço do camping e outros compromissos, eles foram desistindo, um a um. Todavia, como eu já tinha preparado tudo pra ir, fui de todo jeito.
O caminho
Dos 45 km, 20 são de asfalto até a cidade de Claraval (cidade natal de minha mãe). Depois da cidade, o caminho é por uma estradinha de terra batida com longos trechos de cascalho branco. Pedalei sem pressa, parando para fotografar e absorvendo cada detalhe da bela paisagem que se apresentava. Era sábado e o movimento na via era mínimo. No fim, estava com o desgaste natural do percurso, embora o tempo nublado tenha ajudado. Chegando na área de camping, o sol apareceu e tudo ficou perfeito.
O acampamento
O local é maravilhoso: um rancho à beira do Rio Grande com uma razoável estrutura para acampamento. A água calma e morna é perfeita para nadar. Chegando lá, depois de 3 horas de pedalada, eu estava faminto. Ataquei a primeira mangueira que vi e, com um pouco de açúcar no sangue, fui preparar meu almoço. Como fogareiro, eu acertei ao levar uma espiriteira à álcool, mas errei feio na escolha do prato principal. Uma feijoada vegana, deliciosa, porém com cozimento lento demais. Meu álcool foi acabando e nada do feijão (azuki) ficar pronto. Decidi então acender a churrasqueira do local pra terminar o almoço. Recolhi gravetos e pequenos galhos do chão para usar de combustível. Estavam todos molhados da chuva do dia anterior. Por sorte, eu tinha um pouco de azeite e fiz uma isca com papelão que encontrei perto da casa sede. Fogo aceso, almoço pronto, mais mangas de sobremesa. Dei uma volta no local pra conhecer melhor, e fui nadar um pouco.
Mathiola trouxe a civilização
Eu estava literalmente imerso no ambiente, mergulhado no Rio Grande mentalizando pensamentos positivos, lavando a alma das ruindades de 2020 quando o inesperado aconteceu. Mathiola, meu querido velho amigo, deu as caras no acampamento. Ele tinha planejado ir comigo de bike até lá, desde que outro amigo conduzisse seu carro para trazê-lo de volta. Com a falta do tratante, ele resolveu abandonar a bike e ir de carro.
Ele chegou e, consigo, a civilização, pois trouxe gelo, refrigerante, uma garrafa de vodca abençoada e comida dentre outras coisas aprazíveis.
O resto do dia foi de tranquilidade. O sol se alongou pelo meio da tarde até cair uma chuva branda de gotas mornas de verão. O fogo da churrasqueira se manteve aceso sob as árvores, ajudando a espantar os mosquitos borrachudos. Choveu bastante durante a noite. Por conta disso demorei um pouco pra conseguir acender o fogo e fazer o café na manhã seguinte. Após o desjejum, desmontamos acampamento e fomos até a usina hidrelétrica de Peixoto. Lá existe um bar bastante pitoresco, cuja escadaria dá de frente à barragem da usina. Uma vista fenomenal. Aproveitamos da vista um tempo, comendo uma porção de queijo canastra com cerveja antes de voltarmos para Franca.
Fotografia
Para fotografar o rolê, eu fiz a escolha óbvia: levei a câmera mais leve que tenho, uma Olympus XA.
No caminho da fé, eu levei uma parecida, a XA2 que possui foco por zonas. Já a XA tem telêmetro, ou seja, o foco é mais preciso e a experiência é mais prazerosa. Essa câmera veio lá de Petrópolis. Era do meu amigo fotógrafo Henry Kappaun. Nós fizemos uma troca. Eu mandei uma Praktica Mtl3 com uma lente modificada e ele me mandou este pequeno colosso.
Ela estava vazando muita luz quando chegou. Refiz a vedação e tudo ficou lindo novamente.
Rumo a 2021
Depois desta pequena viagem, o sentimento que fica para o próximo ano é de esperança, teremos vacina, as mortes diminuirão e o medo não será mais uma constante em nossas vidas.
Infelizmente, estamos ainda no meio do mandato do pior governo de que se tem notícia no Brasil, mas de todo modo é preciso ter uma expectativa positiva para 2021. Como diz o provérbio “Não se pode descer duas vezes a mesma água do rio.”, eu não serei o mesmo, nem você e nem o mundo.